
Explicando os altos preços dos combustíveis. (Arnaldo Andrade)
O Brasil produz algo como 2,2 milhões de barris de petróleo/dia, e este é mais ou menos o consumo doméstico. Portanto, o país é autossuficiente em petróleo.
Então, por que não podemos praticar o preço dos combustíveis que queremos?
Simples: porque a grosso modo, produzimos um tipo de petróleo que não conseguimos refinar. Então, temos que exportar parte do petróleo que produzimos e importar parte do petróleo que refinamos. Além disso, nossa capacidade de refino é limitada, de modo que precisamos também importar derivados, principalmente diesel e combustível aeronáutico.
Mas, e isso é o mais importante, mesmo que fôssemos autossuficientes em derivados, ainda assim deveríamos praticar os preços internacionais. Por que?
Por uma questão de alocação eficiente de capital.
Vamos assumir que a Petrobras consiga fornecer todos os derivados para o consumo nacional. Estes derivados custam 30 para produzir, mas o preço internacional é de 100. O que aconteceria se a Petrobras vendesse esses derivados por 30 para o consumidor interno? Estaria deixando de exportar por 100 para o mercado externo. Esses 70 de diferença deixam de entrar no caixa da empresa para subsidiar os consumidores dos derivados.
Não há um prejuízo contábil, mas há sim um prejuízo econômico. Se a empresa cobrasse 100 pelo combustível internamente, geraria 70 a mais de lucro, que poderiam ser distribuídos como dividendos para o governo. O governo, então, poderia decidir, com base em suas prioridades, o uso desse dinheiro. Por exemplo, investimento em educação ou saúde. Portanto, quando a Petrobrás vende os derivados abaixo da paridade internacional, educação e saúde estavam subsidiando os caminhoneiros e os donos de SUV.Claro, a conta não é exatamente essa.
A Petrobras tem sócios privados. Mais ou menos metade desse lucro fica nas mãos dos sócios privados. Mas, mesmo assim, 35 deixam de ser aplicados em saúde e educação. Os outros 35 pertencem aos sócios privados, que têm direito à maximização do lucro da empresa, por terem investido no seu desenvolvimento. Isso é uma questão de governança. Como disse Salim Mattar em uma entrevista a uns anos atrás, não está contente com isso, basta o governo fechar o capital da empresa e usá-la como bem entender.
Pois bem, espero que tenha ficado clara essa questão da paridade dos preços. Agora, vejamos a situação atual dos preços do petróleo no mercado internacional e os preços dos derivados, especificamente o diesel, no mercado local.
Podemos observar pelas cotações dos últimos dez anos a evolução do preço do barril de petróleo em reais. Como está em reais, já inclui o efeito do câmbio. O preço do barril atingiu agora em abril o valor mais alto (em reais) nesse período de 10 anos. Não que o preço internacional esteja muito alto. Atualmente está em US$ 59. No início da década estava acima de US$ 100. O problema é o câmbio: enquanto no início da década tínhamos um câmbio abaixo de R$ 2,00, hoje o câmbio está flutuando em R$ 5,00. Então, em reais, o preço do barril explodiu. Observe também que a última vez que o preço atingiu mais ou menos este patamar foi em meados de 2018, justamente na época em que os caminhoneiros entraram em greve. Nada confortável.Agora, observe uma coisa interessante: em meados de 2013, o preço do petróleo também atingiu patamares elevados em reais. Mas porque não houve, naquela época, nenhum movimento de caminhoneiros? Para isso, vamos ver a razão entre o preço internacional do petróleo e o preço doméstico do diesel. Quanto maior esta razão, mais defasado está o preço do diesel em relação ao preço internacional do petróleo.Como há duas fases: até 2015, a política de preços não era vinculada aos preços internacionais. Então, a elevação do preço do petróleo não era repassada internamente. Abriu-se, assim, um rombo sem precedentes no balanço da Petrobras, que fez as perdas com a roubalheira do Petrolão parecerem troco de pinga. Até hoje a administração da Petrobras está tendo que lidar com a dívida gerada nesta época. A partir de 2016, a política passou a ser de acompanhar os preços internacionais, de modo a não piorar o endividamento da empresa. E estamos assim até hoje. Pelo menos estávamos.O barulho em torno do preço do diesel é compreensível. Os preços do diesel na refinaria nos últimos 10 anos. Nominalmente o preço depois do último reajuste é o mais alto da série histórica. Ajustado pela inflação (IPCA), o preço atual se compara com o praticado em 2018/2019. Portanto temos, historicamente, um preço bastante puxado. A má notícia é que talvez não pare por aí.Estamos em meio a uma recuperação da atividade econômica global. É de se esperar que o preço do petróleo se recupere também. Aliás, já está se recuperando. Em 2018, por exemplo, o barril ultrapassou US$ 70, o que significaria mais um aumento de 15% em relação aos preços atuais, se o câmbio não ceder. Por isso, uma forma de controlar o preço do diesel internamente é trabalhar para que o Real se valorize, encaminhando as reformas que trarão alívio para as contas públicasm, principalmente a reforma fiscal.
E chegamos em nossa realidade. O Brasil tem 16 refinarias onde deveriam existir 114.
Pagamos pelo refino.
A maioria dos equipamentos e empresas parceiras na exploração de petróleo são de fora. Pagamos pela ausência de tecnologia e especialização. Quase tudo que envolve a palavra petrôleo vem de fora, então meio que o slogan "o petróleo e nosso" não tem muito sentido. E pagamos em dólar por isso.
Eu por exemplo não sei colocar um filtro na parede e nem consertar a ducha do vaso sanitário. Gastaria 20 reais para fazer esse reparo e essa instalação, mas acabei gastando 160 pratas por não saber fazer.
Eu não pago pelas borrachas, buchas e veda rosca, pago pelo conhecimento do cara que faz em meia hora o que eu levaria a manhã inteira com risco de inundar alguma parte da casa.
E assim para tudo. Não da para improvisar em alta tecnologia. Quem não tem paga.
Se faz necessário sair de cima do muro, ou privatizar a Petrobrás inteira e manter a exploração de forma concessionária ou fazer melhor, recomprar os 49% existentes no mercado e estatizar a empresa, controlar definitivamente o preço, investir pesado em educação para ter tecnologia proprietária em 50 anos...mas em 50 anos dificilmente vão existir carros usando gasolina...e dificilmente uma empresa de petróleo vai valer alguma coisa, a vinte anos atrás dez das vinte maiores empresas do mundo eram petrolíferas.
Hoje nas dez maiores tem duas. E não são americanas.
Em economia não há muita mágica nem fórmulas mirabolantes. É preciso fazer a lição de casa. Caso contrário, ficamos reféns dos humores internacionais. Quer dizer, reféns sempre seremos, porque estamos inseridos no contexto global. Mas sofreremos mais se não fizermos o que precisa ser feito.
Educação é o maior patrimônio que um estado pode possuir.